segunda-feira, 24 de maio de 2021

Augustino e a Madame Vidente Iluminada
























Augustino sofre os reveses da paixão.

Foi um cego mergulho

no fundo de um poço sem fim,

pelo seu desejo de tudo;

e perdeu o bem que tinha;

e não havia o bem que intentava.



Houvera jogado com a vida,

e tudo perdera;

e se enredara irreversivelmente,

até seu fim, e talvez mais...





Não tinha por si mais amor,

e o que à vida tinha,

era àquela sua, desregrada...

E se tinha a outros,

era àqueles outros companheiros

das madrugadas, das bodegas, da sarjeta ;

e pelas prostitutas, pelos malandros,

pelos ladrões, traficantes e tais.

Tendo amor a estes tinha tudo.



Assim se lhe passava;

assim se sentia em paz.

E tinha em si que esta

era mesmo a sua vida.



E quando alto na madrugada,

passava à rua que ia dar à sua,

onde dormia num velho quarto de pensão,

a certa altura deixava-se ler uma placa

postada a meia altura de um prédio,

e sentia como a mexer consigo:



"MADAME VIDENTE ILUMINADA

RESOLVE PROBLEMAS DE VÍCIOS,

DÍVIDAS, FEITIÇOS, AMORES PERDIDOS,

ATRAPALHAÇÕES, CAMINHOS FECHADOS.

DEVOLVEMOS O SEU DINHEIRO

SE FICAR INSATISFEITO."



e então imaginava no seu álcool,

mente, espírito, corpo cansado,

que a Madame Vidente

se oferecia para resolver sua vida.

E até lhe passava o pensamento

de ir então à tal Madame.

Mas logo num arregalo de olhos,

enxotava esse pensamento com desprezo.



Via então a Madame lendo sua mão,

cartas, búzios e bola de cristal ;

e lhe dizendo que vê isso e aquilo,

e um monte de baboseira mais:

do que fazer; do que comprar

para afastar os maus espíritos,

zanzando à sua volta...

E lhe dizendo para ter esperança,

pensamento positivo e fé,

para tudo dar pé;

e que Deus vai ajudar

desde que faça por onde...




E nessa madrugada,

Augustino estava bem cheio, altíssimo.

E se pegou lendo a tal placa

como se não a houvesse antes lido.



E pensou na Madame,

e logo arregalou os olhos;

não conseguia decidir

visitar a Madame Vidente.

Pensava se era orgulho;

ou gostava no fundo da vida que levava;

ou no fundo não acreditava que Madame

pudesse resolver seus problemas profundos;

ou preferia sofrer ainda

como inocente vítima do mundo,

como se fosse ao mundo causar remorsos

pelo seu sofrimento;

e Madame Vidente era parte desse mundo...



E pensando assim,

com repulsa e determinação etílica

gritou ecoando, como um estouro de desabafo,

na madrugada da estreita ruazinha,

calçada de antigos paralelepípedos,

respondendo à placa da Madame :



- Madame Vidente !!!

-Vá roubar um demente !!!






E seguindo mais alguns passos,

depois de bem assim pensar ecoou:

- \Cambada de Espíritos sacanas !!!

-Vão plantar bananas !!!





Naquela noite, como quase sempre,

jogou-se na cama, travado, de roupa e tudo.

Mas, como quase nunca acontecia mais,

deu uma alegre gargalhada. E dormiu...

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